terça-feira, 7 de junho de 2011

Se assim somos é porque assim imitamos por Celso Antunes

Aqui sentado no saguão, observo a agitação das pessoas ano aeroporto.

Alternam-se sensações de expectativa com tédio, espera paciente ou fúria por atraso que não se explica. Alguns andam de um lado para outro, outros tentam se concentrar em uma leitura e existem os que fogem do marasmo, perdidos em palavras cruzadas ou nos desafios dos números impossíveis do Sudoku. Cada pessoa é proprietária exclusiva de uma identidade que a faz singular e entre tantos tipos humanos nenhum se iguala nem em aparência, menos ainda em sentimentos. Parece incrível que todos são originários dos mesmos antepassados e que centenas de milhares de anos, lá na profundeza das cavernas se esculpia as diferenças de agora que este apinhado saguão de aeroporto exibe. Mas, não pode existir espaço para a dúvida, quando a certeza da ciência o ilumina: a quase totalidade dos comportamentos e procedimentos adultos baseia-se no que absorveram por imitação durante sua infância. Se a antropologia nos iguala, a educação nos diferencia.

Esta incrível diversidade de comportamentos fala-nos muito alto sobre a importância da educação infantil.

Se agirmos de certa maneira, se preferimos esta ou aquela fórmula para administrar nossa impaciência ou para esconder a insegurança, o fazemos não porque geneticamente existem códigos herdados, mas por pura obediência a um conjunto de impressões imitativas, arraigadas em nosso comportamento, aparentemente “esquecidas” em nossas lembranças, mas certamente conquista junto aos modelos com os quais crescemos. É justamente em obediência a essa permanente cópia que é tão difícil às sociedades a mudança de suas crenças e que tragédias gregas pensadas há milhares de anos possam ser adaptadas a novelas que parecem esculpidas no cotidiano. Um adulto é assim comportamentalmente, bem menos a combinação genética que o fez singular e essencialmente a resposta aos pais que o acolheu, os amigos que o ensinaram, os programas dos quais participou ou professores que os esculpiram.

Essa incrível diversidade de comportamentos reitera a importância inquestionável da educação infantil.

Se desejarmos que os seres humanos se aprimorem, se pretendemos que a busca pelo amor saia dos jargões e se transforme em pratica, se almejamos que a geração que agora vive prepare um mundo ainda melhor para a que logo mais chegará, pouco há fazer quanto a estrutura molecular do corpo humano, muito resta debater sobre como educamos nossas crianças. Educar é preciso que se diga, não apenas no sentido de instruir, informar, abrir competências, estimular significações, mas educar no sentido de ensinar afeto, propor desafios, ajudar construir e preservar amizades, mostrar alternativas ao tédio, à agressão, à raiva e à tristeza.

O vôo que espero agora é chamado. Desligo-me de pensamentos e paciente me alinho na fila do embarque, esquecendo a prioridade dos mais velhos da qual na realidade ninguém se lembra. Não adiante culpá-los pela precipitação e menos ainda dizer que não se respeitam privilégios. Se assim somos e assim nos comportamos é pela educação infantil que tivemos.
Se sonharmos um amanhã melhor e espaços mais civilizados temos que continuar batendo na insensível tecla de que a educação infantil é tudo, o resto quase nada